sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Carta a Diego - Frida Kahlo


Minha noite é como um grande coração batendo. São três e meia da madrugada. Minha noite é sem lua. Minha noite tem olhos grandes que olham fixamente uma luz cinzenta filtrar-se pelas janelas. Minha noite chora e o travesseiro fica úmido e frio. Minha noite é longa, muito longa, e parece estender-se a um fim incerto. Minha noite me precipita na ausência sua. Eu o procuro, procuro seu corpo imenso ao meu lado, sua respiração, seu cheiro. Minha noite me responde: vazio; minha noite me dá frio e solidão. Procuro um ponto de contato: a sua pele. Onde você está? Onde você está? Viro-me para todos os lados, o travesseiro úmido, meu rosto se gruda nele, meus cabelos molhados contra as minhas têmporas. Não é possível que você não esteja aqui. Minha cabeça vaga errante, meus pensamentos vão, vêm e se esfacelam. Meu corpo não pode compreender. Meu corpo quer você. Meu corpo quer esquecer-se por um momento no seu calor, meu corpo pede algumas horas de serenidade. Minha noite é um coração de estopa. Minha noite sabe que eu gostaria de olhar você, acompanhar com as minhas mãos cada curva do seu corpo, reconhecer seu rosto e acariciá-lo. Minha noite me sufoca com a falta de você. Minha noite palpita de amor, amor que eu tento represar mas que palpita na penumbra, em cada fibra minha. Minha noite quer chamar você, mas não tem voz. Mesmo assim quer chamá-lo e encontrá-lo e se aconchegar a você por um momento e esquecer esse tempo que martiriza. Meu corpo não pode compreender. Ele tem tanta necessidade de você quanto eu, talvez ele e eu, afinal formemos um só. Meu corpo tem necessidade de você, muitas vezes você quase me curou. Minha noite se esvazia até não sentir mais a carne, e o sentimento fica mais forte, mais agudo, despido da substância material. Minha noite se incendeia de amor. São quatro e meia da madrugada. Minha noite se esgota. Ela sabe muito bem que você me faz falta e toda a escuridão não basta para esconder essa evidência. Essa evidência brilha como uma lâmina no escuro. Minha noite quer ter asas para voar até onde você está, envolvê-lo no seu sono e trazê-lo até onde estou. Em seu sono você me sentiria perto e seus braços me enlaçariam sem você despertar. Minha noite não traz conselhos. Minha noite pensa em você, sonha acordada. Minha noite se entristece e se desencaminha. Minha noite acentua a minha solidão, todas as minhas solidões. O silêncio ouve apenas minhas vozes interiores. Minha noite é longa, muito longa. Minha noite teme que o dia nunca mais apareça, porém ao mesmo tempo minha noite teme seu aparecimento, porque o dia é um fio artificial em que cada hora conta em dobro e, sem você, já não é vivida de verdade. Minha noite pergunta a si mesma se meu dia não se parece com a minha noite. Isso explicaria à minha noite por que razão eu também tenho medo do dia. Minha noite tem vontade de me vestir e me jogar para fora, para ir procurar o meu homem. Minha noite o espera. Meu corpo o espera. Minha noite quer que você repouse no meu ombro e que eu repouse no seu. Minha noite quer ser voyeur do seu gozo e do meu, ver você e me ver estremecer de prazer. Minha noite quer ver nossos olhares e ter nossos olhares cheios de desejo. Minha noite é longa, muito longa. Perde a cabeça, mas não pode afastar de mim a sua imagem, não pode fazer desaparecer o meu desejo. Ela morre por saber que você não está aqui, e me mata. Minha noite o procura sem cessar. Meu corpo não consegue conceber que algumas ruas ou uma geografia qualquer nos separe. Meu corpo enlouquece de dor por não poder reconhecer no meio da minha noite a sua silhueta ou a sua sombra. Meu corpo gostaria de beijá-lo em seu sono. Meu corpo gostaria em plena noite de dormir e, nessas trevas, ser despertado com os seus beijos. Minha noite não conhece hoje sonho mais belo e mais cruel do que esse. Minha noite grita e rasga os seus véus, minha noite se choca contra o próprio silêncio, mas meu corpo continua impossível de ser encontrado. Você me faz tanta falta, tanta. E suas palavras. E sua cor.
(Carta a Diego ausente, Cidade do México, 12 de setembro de 1939. Não enviada)

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